Cemitério

A ladeira do cemitério de Santo Amaro era um lugar bom para conversar de tarde. Carlinhos de Edite sentia sempre muito calor, por isso liderava a ida de uma pequena turma para deitar no cimento da ladeira, em suas pedras, no meio da tarde. A gente não tinha medo. Quando, anos antes, eu morava ainda na Rua Direita, ir até o portão dos fundos à noite, sabendo que o cemitério estava logo ali atrás da casa de seu Iosinho Freitas, dava medo. Arrodear o quarteirão e passar pela frente do portão do cemitério de bicicleta foi uma aventura que não sei se vivi (na garupa de um adulto) ou se imaginei assustado. Talvez eu tenha vivido mesmo. Dei a volta cheio de medo, mas saí da experiência muito mais destemido. Depois, já morando na Rua do Amparo, uma antes da Estrada dos Carros, onde o cemitério fica, eu já não tinha quase medo. Nessas idas à tarde, medo nenhum. A brisa fazia tudo ficar agradável, embora para subir a ladeira a gente tivesse de transpor o portão de ferro batido. Santo Amaro fica numa baixada. Faz muito calor fora do inverno. O cemitério era o único ponto urbano situado sobre uma colina. A Igreja da Purificação fica numa parte um tanto elevada da praça grande e, com os degraus do adro somando-se a isso, tem-se um pouco de vento — de “viração” — à tarde. Mas nada se compara ao cemitério. O resto é muito quente. Eu sempre gostei de calor. Mas muita gente que nasceu em (e nunca viveu fora de) Santo Amaro percebe o calor como um defeito insuportável do mundo. Carlinhos era assim. Minha irmã Clara é assim. Muitos amigos meus europeus sofrem frio no Rio — para não falar em São Paulo ou Curitiba. No meio de julho alguns deles poderão sentir frio em Santo Amaro. Ontem eu senti tanto calor em Santo Amaro que cheguei a suar minha camisa branca. Nem no cemitério a brisa parecia amenizar a temperatura.

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