Narciso acha feio

Ontem à noite, quis mostrar a cidade ao amigo de meu filho de 13 anos. Farol da Barra (com um carro da polícia com as luzes piscando e os faróis acesos parado à entrada, uma mulher policial militar muito amável nos dizendo que podíamos sim arrodear o forte, contanto que não pisássemos na grama: ela parecia em dúvida quanto a tudo isso). Pelourinho numa terça (eu tinha me esquecido de que era terça) é carnaval. Terminamos indo tentar um suco no largo da Mariquita, no Rio Vermelho. Uma menina que parecia ter 8 anos (ela tinha 12) vendia balas numa caixinha. Com o dinheiro que ganhara, sentou-se sozinha na mesa ao lado e pediu um açaí. Puxamos conversa. Mora na Suburbana, extremo oposto da cidade. Vem todos os dias às 4 da tarde. Volta de ônibus à duas da manhã, para na Estação da Lapa, espera o das 3 e meia. Contou vários assassinatos de bandidos por policiais que presenciou, com muita objetividade e sem drama. Vive com a mãe e mais oito irmãs. A mais nova tem 4 meses. A mais velha, de 15, tem um filho de 9 meses. Uma freguesa passa para o banheiro e diz à menina que eu sou cantor famoso. Não nego. Na volta, a freguesa responde com “Sozinho” e “Lisbela e o prisioneiro” à pergunta sobre o que é que eu canto. A menina diz que em casa tem o CD de “Lisbela”. Só põe para tocar quando a mãe está triste. A mãe tem 32 anos (“Ela é muito mais bonita do que eu”). Português excelente. “Atrás da minha casa tem uma boca de fumo. Uma vez eles mataram um dentro da minha casa. Tem que melhorar. O rapaz que lhe pediu dinheiro estava mentindo: ele vai comprar é droga. A culpa não é tanto de quem toma droga: é mais de quem vende droga.”
Eu tinha batido na frente de um carro ao manobrar para estacionar. O dono veio ver e, pouca coisa, não queria que eu me obrigasse a nada. Mas insisti em que me desse seu número para eu ligar hoje. Pus a tira mínima de papel com o número que ele me deu no bolso. Acordei pensando nisso. Ele se chama Isac Toucinho. Meu filho e eu ficamos sem saber se Toucinho seria sobrenome ou um apelido, O rapaz poderia ser meu colega. Ornavam suas orelhas brincos cujas gemas eram o vazio rodeado por aros perfeitamente circulares. Não achei o papel hoje. Fiquei irado. Meu filho também. Não havia como perder. Não entendemos.

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